terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ONDE AS MOSCAS DORMEM

Quando fazemos o telefone de um pequeno apartamente tocar no outro lado do mundo (atravessando mares ignotos, avenidas e linhas férreas, paisagens medievais e sobretudo muito lixo) e ninguém atende, as possibilidades se abrem como a eterna ferida na sobrancelha do boxeador. Provavelmente, do outro lado não há ninguém ou há alguém que está muito cansada e dormindo a sono solto, ou tem memória fraca ou simplesmente mentiu. Deste lado pairam as dúvidas enquanto a campainha ataca o quarto irreal como um gato ataca a própria sombra. É uma situação limite entre os dois aparelhos e o mundo. Que façanha pode tentar um pequeno ser encerrado na cabine transparente?
Tudo fica ali, amontoado e exposto. Tudo foi embora, menos uma esquálida sede que tem o sabor dela. Cada gesto se repete agora enquanto a campainha vai ficando longínqua como o zumbido de um inseto na noite infinita. É um adeus frio, sem imagens, não posso vislumbrar os objetos nem a branca pele das coxas no quarto invisível
Ninguém se dá conta, nenhuma folha estremece na árvore, nenhuma gota se atira no vazio. Ninguém tenta imaginar, apenas ocupam seus lugares no ônibus e pensam nos próprios problemas. A luz nasce na estrada molhada e se reflete nas blordas da ponte. A minha dor é seca e infame, ignorada como o mau ladrão por Cristo, embora as pedras se desmanchem de encontro à minha pele e os mortos sorriam à minha passagem.

FALEI PARA NÃO APOSTAR NESSE CAVALO

Uma mulher feia tem duas opções: se matar ou criar um estilo. A pior coisa que uma mulher feia pode fazer é fingir que não é feia, isto é quase tão ruim como não ter um pingo de beleza. É o tipo de coisa que desacorçoa os caras simpáticos.
Não que uma mulher feia seja incapaz de ficar bonita algum dia. Mas não lhe convém. Uma vez adquirido, o estilo a acompanha para sempre. Planejar a beleza é complicado e mantê-la, um verdadeiro imbróglio. Não é por acaso que as bonitas se suicidam mais frequentemente.
A beleza não é um estilo, mas o supre bastante bem, até que apodrece. A feia, no pior dos casos, só pode ficar mais feia, e isso em certo sentido é uma melhora. A beleza corre todos os riscos e não tem álibi.

SOA COMO UMA VELHA CANÇÃO

Há garotas que sabem dar o melhor de si, que se permitem trazer uma sacola de papel com um verdadeiro tesouro: vodca decente, pão francês, cigarros e balas de horetlã, e também comprimidos pra ressaca. Elas sabem que você é um prisioneiro e não um paspalho que se faz passar por artista, e se não sabem, pelo menos fingem com graça.
Garotas que ajudam a enxotar o cara do aluguel, que pegam a correspondência e jogam fora sem abrir porque são espertas, sabem que gente como você não recebe cheques de fundações, revistas nem cartões de Natal, que o mundo lá fora só quer encher o seu saco. Elas não dizem que você é infiel, dizem que você se vira como pode
Garotas que coçam as suas costas e não fazem perguntas inúteis. Garotas que qualquer um, menos você poderia amar e com isso estragar. Elas não precisam de um marido ciumento, não querem o yuppie amável que rala a bunda para ganhar umas migalhas. Elas se entregam ao prisioneiro, ao cara que bate a porta e apaga este mundo nojento com seus poetas sob medida e suas putinhas honoráveis. Garotas capazes de limpar persianas sem fazer comentários, que sabem quando é hora de ir embora e que jamais levarão uma estúpida flor ao seu túmulo.

Brindo a elas.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

RUÍDO SUBTERRÂNEO

É força, é raiva, é abrir um açougue exasperante. Não se trata do que vamos fazer mas sim do lugar vazio entre dois gestos, não um absoluto mas sim uma pequena porção de energia dirigida a você, para que não morra ainda.
Amo você porque você não significa nada pra mim, e se é tão inteligente deveria saber disso
Seca como uma lápide sem nome. Ignorada como um bolo de cenoura no aniversário de um canibal. Boas tetas, mas se você as levar a sério, é feito Kierkgaard, o que vai ser de nós
Nunca jantamos à luz de velas, nunca beijei os seus lábios nem passei a mão na sua bunda. No meu coração há um buraco. Toda noite lhe desejo uma idéia enorme que estilhace seu cérebro enfastiado em mil fragmentos pontiagudos como lascas de explosão. Menina, quando você vier ao pavilhão psiquiátrico da minha prisão não se esqueça do livro de versos da Erica Jong, não se esqueça de que você agora é um retrato no canto dos masturbadores, dos pensadores, dos imaginadores
Não tenho cavalo nem um pau grandão... Meu sorriso não vale um milhão de dólares, meu esporte é secreto.
Não danço nem canto, mas se alguém machucasse você eu o mataria em cinco segundos.

domingo, 25 de novembro de 2007

RISO DAS PEDRAS E DOS PEIXES

Seremos como o peixinho que no fundo do oceano sonha dias ensolarados, o peixinho não pode visitar a praia porque morreria, ele ouviu outros peixes falarem sobre a inquieta luz do verão e espera que um dia descubram o seu cadáver ressecado na areia e não saibam a razão do seu riso.
Seremos como pedras amontoadas por um menino para jogá-las uma a uma numa represa
Minha palavra não derette as estrelas nem submete as águas, minha palavra não apazigua os corações gelados nem faz estremecer o assassino, as estrelas não dançam a minha canção esfarrapada, minha palavra é o riso das pedras e dos peixes.
Assim como o peixinho pensa em sóis maduros, avanço entre arranha-céus e hotéis baratos, entre amores que não duram nem bastam. Você é quem sabe como sou e sabe onde, você não precisa viver para me encontrar.

1 TRASEIROS ASSASSINOS*

*Inclui algumas músicas do álbum ZERO FRANGUINHOS. Produced and Engineered by Ciro Diaz C.

"Meu bem, você me trouxe isto
quando for e o levar embora
leve-o lenta e suavemente como
se eu estivesse morrendo em sonhos em vez
de em vida, amém."

Charles Bukowski