sexta-feira, 16 de maio de 2008

ALIMENTOS ENLATADOS S.A.

Nunca mais você grudada no meu pau, natural como uma rês no gancho do açougueiro. nunca mais duas lágrimas por uma trepada abrupta na parte traseira. Meu poder sobre você se dilui como os miolos de qualquer um na máquina de moer (meu quarto é escuro como a memória de um morto)
É duro para mim porque eu adoro todas as coisas que os filósofos odeiam e as empregadas temem, e você é uma empregada: mulher perfeita para comprar aspirina num terrível amanhecer de inverno e limpar até a última gota de vômito, certamente você vai apodrecer assim (ha, ha, ha). Ai, só dóis quando não rio.
Claro que lá fora as pessoas desaparecem sem deixar rastro mas ninguém pensa que as suas pegadas não levam a lugar nenhum porque são frias como a privada de um motel à meia-noite. Ninguém pensa em incluir meu nome entre as vítimas do massacre, ninguém pensa porque todo mundo é filósofo ou empregada, que desgraça!
Isto não está no Relatório Hite, não é o tipo de coisa em que as pessoas gostem de pensar nos hipódromos. É apenas uma pilhas cuecas sujas e não tem importância, a menos que você persiga no ar uma bala perdida, a menos que o tenham chutado para fora do último bar e você ainda queira pagar outra rodada.

MANUAL DO HOMEM INVISÍVEL

Já não desejo mais viajar no tempo e sim subir no telhado. Não me interessa capturar a abelha rainha, o que quero saber é o nome do lugar onde o Homem Invisível compra roupa e se sua alma dói e se caiu alguma vez na armadilha de amar
Não sou um trapaceiro, não passo noites em claro imaginando como será o próximo inverno. Lá fora há pasto suficiente para mais um cavalo e nas ruas molhadas, muitos caras durões. O que quero saber é em que o Homem invisível pensa quando os pássaros riem e os insetos zumbem, que cor têm os seus olhos quando se apaixona, o que dizem os bizões quando o homem invisível os cavalga.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

FOGOS DE ARTIFÍCIO

A música é uma corda sob a luz, uma corda que cai do céu, e você, pequena Amalia, vai segurar a ponta sem vacilar. As árvores não podem andar. É o que se costuma dizer (minha voz vai cantar dentro da sua voz). Quando fechar os olhos, o peixe-banana comerá seus medos e você vai poder sorrir
Toda palavra é a cinza de um sonho, o silêncio brincará com você mas ali estará aquela corda sob a luz (talvez você aprenda nós de emergência). O peixe-banana comerá sua língua, comerá seus sagrados axiomas, comerá o esterco da sua mente
Dez anos, vinte. Centenas de anos no alucinante tráfego sideral (o que você vai fazer enquanto isso, pequena Amalia). O peixe-banana comerá os meus restos e antes de você voltar todos no mundo terão ganhado um concurso na televisão, todos no mundo odiarão o cinema francês e o valor nutritivo da couve-flor, antes de você voltar.

HARRY DEDOS LONGOS

Saint John era um monge pequenino que para se masturbar olhava as estrelas e imaginava sexo com uma zebra (nem tudo era pequenino em Saint John). Se um dia eu sair daqui, talvez escreva longos poemas como ele. Saint John costumava fazer a barba do amante da sua mãe e uma vez se lhe escapuliu a mão
É impossível saber onde termina uma carícia mas estou certo de que a vítima inventa o assassino e não o faz com temor mas com brincadeiras e evaisvas, não o faz com ódio mas com promessas e canções da moda
Saint John era um cara pequeno que vivia encerrado numa abadia, não tinha opções e por isso sua delicada mente criava um mundo de ânsia erótica e produzia poemas em que a luxúria mal se disfarçava com o rigos místico. Saint John foi enforcado em Kansas, e quando lhe perguntaram qual o seu último desejo pediu aquilo que você está pensando. Quando chegar a minha hora, vou exigir a mesma coisa que Saint John.

DOUTOR MARCUS

Às vezes você quer mudar o ruma da sua vida e se deita na grama para planejar e pensa que é possível até que um lindo azulão caga na sua cara e depois começa a piar feito doido, toda a sua malignidade num galho baixo, mas inalcançável. Você muda de idéia e pensa em como poderia estripar todos os desgraçados azulões e como seria bom fazer isso
Também seria ótimo derrubar um puto de um grã-fino com uma pedrada. O problema das coisas perfeitas é que as mulheres chegam no momento menos oportuno. As aranhassão diferentes enquanto tecem suas redes, mas depois tudo é a voracidade de sempre. A arte é um impulso passageiro, mas em compensação o mundo está repleto de mulheres.

SÉRGIO E A CLARABÓIA

Sabem, eu jamais soube por que estou aqui, mas pensando bem acho que é por estar pensando em coisas como estas. Não me importa em fazer isto numa rua de Paris ou num bar do Brooklyn, na verdade trata-se de uma coisa que os homens fazem em qualquer lugar e que não requer muito espaço nem perícia alguma. Daqui se vê a cidade luminosa, mas duvido que de lá possam ver a luz fraca da nossa única lâmpada, nós que estamos aqui fizemos muitas perguntas na época, mas isso ficou pra trás.
Há mais ferocidade a esta hora nos espaços vazioz, nos museus incólumes, nas igrejas abandonadas. Há mais mentira ali que nos árduos motéis e nas perigosas calçadas. Estar sem você não é terrível, só triste como o tempo retido entre dois espelhos.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

ONDE AS MOSCAS DORMEM

Quando fazemos o telefone de um pequeno apartamente tocar no outro lado do mundo (atravessando mares ignotos, avenidas e linhas férreas, paisagens medievais e sobretudo muito lixo) e ninguém atende, as possibilidades se abrem como a eterna ferida na sobrancelha do boxeador. Provavelmente, do outro lado não há ninguém ou há alguém que está muito cansada e dormindo a sono solto, ou tem memória fraca ou simplesmente mentiu. Deste lado pairam as dúvidas enquanto a campainha ataca o quarto irreal como um gato ataca a própria sombra. É uma situação limite entre os dois aparelhos e o mundo. Que façanha pode tentar um pequeno ser encerrado na cabine transparente?
Tudo fica ali, amontoado e exposto. Tudo foi embora, menos uma esquálida sede que tem o sabor dela. Cada gesto se repete agora enquanto a campainha vai ficando longínqua como o zumbido de um inseto na noite infinita. É um adeus frio, sem imagens, não posso vislumbrar os objetos nem a branca pele das coxas no quarto invisível
Ninguém se dá conta, nenhuma folha estremece na árvore, nenhuma gota se atira no vazio. Ninguém tenta imaginar, apenas ocupam seus lugares no ônibus e pensam nos próprios problemas. A luz nasce na estrada molhada e se reflete nas blordas da ponte. A minha dor é seca e infame, ignorada como o mau ladrão por Cristo, embora as pedras se desmanchem de encontro à minha pele e os mortos sorriam à minha passagem.